Estar no meio de Fevereiro para um fã de luta livre costuma(va) ser uma experiência bem diferente do habitual para quem acompanha(va) WWE: O desenvolvimento das rivalidades em plena Road to Wrestlemania já está(va) a todo vapor, a empolgação do Royal Rumble já trouxe(ra) o publico que havia se distraído da programação no segundo semestre do ano anterior já esta(va) todo aglutinado novamente, e ainda uma Elimination Chamber no meio do caminho movimenta(va) os elementos surpresa, agora era só esperar o grande dia do principal evento do ano.
O pretérito perfeito. Não é querer dizer que todas as Road to Wrestlemanias eram perfeitas, mas a chama da empolgação, com base nos elementos surpresa que a WWE reserva em suas estipulações nas lutas dessa época do ano. 30 homens estão na disputa de uma oportunidade pelo título na Wrestlemania. Obviamente que a gente sabe que nem todos os 30 estão no mesmo patamar, mas sempre tem 5 ou 6 lutadores que podem sair como vencedor de uma Royal Rumble. Em uma Elimination Chamber é a mesma coisa, com 6 na disputa e 2 ou 3 lutadores que podem movimentar as coisas. Além das surpresas.
Me lembro de 2010, quando a construção de múltiplos personagens credíveis fazia a gente ver uma final de Royal Rumble com Triple H, Shawn Michaels, John Cena, Chris Jericho, Edge e Batista no final do combate, onde cada um teria seus motivos para vencer e isso gerava a quebra de previsibilidade. Edge o faria naquele ano e enfrentaria Chris Jericho na Wrestlemania, já que o Y2J conquistaria o WHC de Undertaker na Elimination Chamber devido a um ataque de Shawn Michaels no Deadman. Michaels já estava em storyline com Undertaker antes do Royal Rumble e o caminho mais fácil naquele momento era Michaels vencendo o Royal Rumble. Mas ninguém queria facilidades.
Doze anos depois, e com uma receita anual que subiu de $595 milhões (em valores corrigidos pela inflação) em 2010 para $1 bilhão em 2021 e com perspectivas de alta, a WWE pode se dar ao luxo de seguir pelo caminho mais óbvio e fácil sem nenhum pudor e é isso que a gente está vendo em 2022.
Se em 2010 a gente poderia ver vários nomes sendo construídos e lutas disputadas até o final pela imprevisibilidade de um vitorioso graças a construções paralelas de rivalidades, em 2022 as lutas acabam nos primeiros segundos das músicas de entrada de Brock Lesnar e Roman Reigns, quase como um superpoder concedido pela empresa aos dois. Mas vamos por partes.
A construção do personagem heel do Roman Reigns foi um dos projetos mais bem trabalhados pela WWE nos últimos anos: Depois de Vince finalmente entender que Reigns não tem condições de ser o babyface que ele quer que seja pra substituir John Cena, colocar o maior manager da história como Paul Heyman ao lado dele e ainda desenvolver o personagem na rivalidade com os Usos foi genial. Agora ele era o Head of the Table e o Tribal Chief com todas as explicações.
A rivalidade com Kevin Owens vai bem e com Edge posiciona Roman Reigns como alguém em um patamar acima de qualquer outro dentro do roster, e ai começam os problemas. Reigns vence John Cena e começa a tornar uma derrota dele algo entre improvável a impossível dependendo dos cenários. A ajuda divina pra vencer Finn Balor na Extreme Rules mostra que nem os sobre-humanos são capazes e quando Reigns saiu por cima de um Big E que estava hypado pela recém conquista do WWE Title, se consolida o fato: Não existe competição com Roman Reigns. E talvez nem para Brock Lesnar.
Brock Lesnar é um personagem “lendário” dentro de uma hierarquia da empresa: Ele já era imparável quando estreou e seu retorno, anos depois, sendo responsável pela primeira derrota de Undertaker em uma Wrestlemania apenas lhe deu a chave para que todas as suas participações desde aquele 21-1 giram no entorno dos títulos mundiais. Entre 2002 e 2004 Lesnar foi World Champion 3 vezes, estando no roster da empresa. Entre 2014 e 2022 Lesnar, aparecendo apenas quando quer, ganha um dos World Championship 7 vezes, uma delas por 504 dias.
Uma luta como essa entre dois gigantes da WWE num main-event de Wrestlemania seria inesquecível, né? Se não fosse a terceira vez em que ambos se enfrentam no “Grandest Stage of Them’ All”. E esse é o menor dos problemas: The Rock e Steve Austin também tiveram uma trilogia de lutas em Wrestlemanias e foi algo incrível. Porém diferente de Rock e Austin, que chegavam pra seu primeiro main event de Wrestlemania como lutadores já estabilizados (Algo que Reigns não era em 2015) e eram participações ativas nos shows da época (Algo que Lesnar não fez durante seu reinado em 2018). Na terceira luta entre Steve Austin e The Rock, sequer era necessário que houvesse títulos envolvidos, pois o sentimento está ali.
Na terceira luta entre Lesnar e Reigns, Lesnar monopoliza as oportunidades pelo título mundial ser disputado por alguém na Wrestlemania: Ele leva a Royal Rumble sem nem entrar no ringue, apenas por ser o último lutador do combate. Ele leva a Elimination Chamber sem nem entrar na jaula, apenas por ser anunciado como um dos participantes, e sem precisar vencer nenhuma das estipulações pra se colocar como um oponente credível a qualquer campeão, até mesmo Roman Reigns. Mas era muito mais fácil fazer assim.
E agora? Agora seguimos nós, no meio de Fevereiro e até Abril lidando com uma storyline guiada pela facilidade do booking, mesmo envolvendo uma lenda e o lutador com melhor construção de personagem do roster atual porém sem empolgação nenhuma: Tanto pelas lutas anteriores que não foram nada interessantes, quanto pelo rolo compressor de desenvolvimentos que Lesnar e Reigns se tornaram.
E sob esse rolo compressor, a WWE coloca um dos seus rosters mais talentosos da história a ver navios: Big E ganha um push mas é engolido pela pior construção de campeão em muito tempo. Bobby Lashley defendeu seu título na Elimination Chamber mesmo machucado, mas nunca foi o plano da empresa para a Wrestlemania. Bálor (que apareceu no Raw ontem pra promover rivalidade do NXT), Seth Rollins (Que fez a melhor luta do ano contra Reigns e agora nem sabemos o que fará), Edge (Que estava em uma Mixed Tag Team Match aleatória no começo do ano), Drew McIntyre, AJ Styles, Kevin Owens, entre outros nomes que já figuraram como campeão mundial da empresa além de potenciais novos nomes que surgirem como “fan-favorite” da galera sob a alçada de apenas UM título mundial após a Wrestlemania 38, com meses sem construção credível de oponente ao título mundial e com um “overpower” com os cinturões nos ombros.
A perspectiva não é boa hoje e não tem aparência de que será melhor com o passar do tempo: Num pretérito perfeito a gente poderia se distrair de uma história mal contada e focar em outra em plena Road to Wrestlemania. Hoje? Torcer para o retorno de um lutador que saiu brigando com todo mundo e que seu nome não vire poeira de estrelas no meio do roster.
Loading…