Um dos principais fatores que pesam contra a luta livre nas tradicionais discussões se tudo isso que a gente admira é um esporte ou não está na decisão sobre quem é o melhor ou não, quem vai ser o vencedor, o campeão ou não dentro desse esporte não está na capacidade individual do ser humano de apenas lutar melhor que os outros ou de ter um personagem melhor que os outros mas sim nas escolhas, muitas vezes individuais, do promotor pela empresa na qual você trabalha, e essa semana Sasha Banks resolveu bater de frente com isso.

Você pode trabalhar duro, treinar suas habilidades nos ringues de forma absurda a ponto de se tornar um dos melhores naquilo que faz, ter um personagem atrativo e com o microfone nas mãos ser excelente, mas o que vai decidir se você alcançará a grandeza ou não jamais vai depender exclusivamente de tudo que você fez até aqui. Ser lutador de luta livre de sucesso é chegar a um ponto onde todo seu treinamento pode ser em vão se a pessoa que vai fazer as reais escolhas sobre seu futuro gostar de você ou não.
Eu tenho pensado demais nisso desde a saída de Cesaro da WWE. Um dos melhores, talvez o melhor lutador dentro da empresa de Vince McMahon nos últimos 10 anos saiu do emprego onde esteve por todo esse tempo sem ter sido agraciado em nenhuma vez pela conquista de um título mundial, e muito mais que isso, sem ter tido uma rivalidade memorável de fato. Ele tem grandes lutas (Como contra Seth Rollins na Wrestlemania) mas simplesmente nada que sustente uma “lembrança boa” da passagem de Cesaro na WWE. E ele era um dos melhores lutadores, talvez o melhor lutador dentro da empresa. Vince McMahon simplesmente não quis. É assim o pacto que você faz com o diabo: Ele já está te dando o dinheiro para usar suas habilidades, se além disso isso significar sucesso jamais vai depender de você, e sim do que o diabo quiser fazer contigo. Vince McMahon realmente tem a musica de entrada perfeita.

Quando Sasha Banks e Naomi fazem o que fizeram na ultima segunda feira, desafiando o diabo pelo direito de não estragar o seu próprio trabalho, nós entramos em uma contradição: Elas se venderam ao Vince McMahon, assim como Cesaro fez, e as escolhas delas como personagems já não são mais delas, assim como aconteceu com Cesaro. Isso está dado e isso inclusive explica a baixa adesão de colegas de trabalho aos protestos feitos por ela e por Naomi, afinal isso sempre foi assim. Mas isso sempre PRECISA ser assim? E aqui eu explicito minha opinião nesse artigo: Sasha Banks e Naomi estão certas.
Sasha Banks e Naomi são as atuais campeãs de duplas femininas da WWE, um título que era necessário para a empresa visto o aumento da qualidade das lutadoras, cuja demanda por destaque e rivalidades não estava sendo suprida através de dois títulos mundiais. A WWE porém, na pessoa de Vince McMahon, nunca gostou do título de duplas (No argumento de que você não precisa pagar 4 pessoas para aparecer numa TV e fazer a mesma coisa que 2 pessoas podem fazer) e isso independe de homem e mulher. A questão é que desde que foi criado o título de duplas esteve sempre envolvido em cambalachos: Duplas formadas de ultima hora, quase sem química ou história que se baseie, com rivalidades que poucas pessoas liguem e lutas que estavam ali para garantir o tempo de TV de 4, ou 6, ou 8 mulheres. Sasha e Naomi passam uma borracha em tudo isso e fazem os títulos serem vistos com destaque, nas mãos de campeãs que o publico sabe que merece ser campeãs.
Mas a WWE não tá nem ai pra isso: para eles, os títulos de duplas não precisam ser tão bem trabalhados assim como Sasha Banks e Naomi, as campeãs de duplas querem trabalhar bem. É uma loucura. E na medida que Sasha e Naomi resolvem questionar diretamente o diabo (em Vince McMahon, como dizem alguns reports, mas segundo a WWE seria John Laurinaitis, outro ser tão infernal quanto) elas fazem o que deveria ser feito: Se impor. Mesmo em batalhas que provavelmente devem ser perdidas.
Quando Sasha Banks e Naomi se impõem, até atrapalhando os planos iniciais do Raw e obrigando a empresa a se mexer, elas passam um recado: As coisas não precisam ser assim. Ora, se elas são as campeãs de duplas e querem valorizar um TÍTULO, porque as campeãs de duplas vão se meter em outro TÍTULO (Como o plano original sugeria, com Naomi conquistando uma oportunidade pelo título de Bianca Belair no HiaC, onde provavelmente iria perder) e não focar naquilo que elas já tem. Lembra muito bem alguém que passou uma imposição parecida com essa no ano de 2014: CM Punk.

Na mesma medida que hoje em dia Sasha Banks e Naomi não estão recebendo o devido apoio pelo que fizeram com Vince e companhia, pois CM Punk também não o teve de dentro da empresa. Quando em 2014 CM Punk deixa a WWE após ir parar mais uma vez em rivalidades perdidas de meio de card (No caso contra Kane) mesmo após ter protagonizado um dos maiores momentos da WWE nesse século na Summer of Punk e os 434 dias como campeão mundial que acabaram pelas mãos de um cara que mal lutava nos últimos anos como The Rock. Enquanto The Rock havia feito apenas 2 lutas em 2 anos e já era o campeão mundial subsequente aos 434 dias de CM Punk, que fez 223 lutas (entre shows e house shows, inclusive no Brasil) nesse período. Mas pelo pacto com o diabo, Vince McMahon poderia fazer, e fez o que quisesse com Punk, incluindo assinar a demissão de Punk no dia do casamento do lutador com AJ Lee.
Ao contrário de Punk no entanto, é muito difícil que tanto Sasha Banks e Naomi simplesmente abandonem de vez a empresa (Como Punk fez) ou sejam demitidas, graças a falta de profundidade de lutadoras de nível de luta principal na divisão feminina da empresa (algo que as duas tem) e também a ciência das duas em saber que problemas contratuais como as que as duas viriam a ter com a WWE gerariam mais problemas que soluções para suas carreiras.

De toda forma, casos como os de Cesaro, Sasha Banks e CM Punk vem trazer à tona uma quebra daquele que é um dos maiores clichês de papo de coach: “Você é o criador do seu próprio destino“. Pois bem, na luta livre não (e nem no mundo real também, mas esse não é o foco aqui). Mas assim como absolutamente tudo no mundo, nada deve ser 8 ou 80, e Sasha Banks e Naomi, assim como CM Punk e assim como Cesaro (que preferiu cair fora ao fim do contrato invés de tentar mudar algo) brigam por uma oportunidade de ter direito de ser participativo naquilo que lhes diz respeito, e não mais simplesmente vender sua carreira de lutador ao diabo.
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