LUTA LIVRE DE VERDADE – O DESAFIO PARA MANTER A TRADIÇÃO DA LUTA LIVRE NO BRASIL
Por Luiz “Tanaka” Barros, do canal Rádio de Pilhadriver.
O bem contra o mal se enfrentando em um campo de batalhas. Vilões e mocinhos se esforçando para contar uma história que irá entreter o público. Este poderia ser o roteiro de qualquer filme ou série premiada e reverenciada pelo público. No entanto, estas também podem ser as credenciais utilizadas para definir algo que, no Brasil, está longe das grandes produções ou mesmo do grande retorno financeiro: a Luta Livre.
Popularmente conhecida como telecatch, a modalidade se adequa na definição de entretenimento esportivo, por apresentar eventos ostensivamente competitivos usando elementos teatrais com o objetivo de entreter um público. Ganhou notoriedade em território brasileiro a partir dos anos 1960, permanecendo em alta até o final da década de 1980. Um período em que a televisão ainda se desenvolvia, mas nos dias em que a Luta Livre estava sendo transmitida, com certeza a audiência atingiria picos que somente o popularíssimo futebol conseguia na época.
A Luta Livre foi capaz de criar um herói na figura de Ted Boy Marino, o lutador mais recordado quando se fala no Telecatch. Italiano de nascença e argentino de formação, brilhou na já extinta TV Excelsior derrotando vilões até chegar ao ponto de fazer parte do elenco de “Os Adoráveis Trapalhões” com Renato Aragão.
Além da TV Excelsior, o jornalista Draco em seu livro Telecatch – O Almanaque da Luta Livre, documentou outras emissoras que traziam as lutas em suas programações, como a própria Rede Globo, Bandeirantes, Record, Tupi, Gazeta e Cultura. Apesar deste status adquirido, hoje em dia nenhuma federação tem sua programação veiculada em qualquer outro meio que não seja a Internet.
DINHEIRO NA TV E NO RINGUE
Ted Boy Marino foi um grande nome no Brasil, mas assim como tantos outros que brilharam na luta livre nacional, não era brasileiro de nascença. Começou a praticar o entretenimento esportivo em Buenos Aires. Chegou à Argentina ainda criança no porão de um navio junto com sua família. E enquanto trabalhava de sapateiro, aprendeu o dom que lhe fez ser contratado pela TV Excelsior. Quando os executivos perceberam o potencial de sua figura, transformaram-lhe em ator.
Com o iminente afastamento de Ted Boy para se tornar um ator em definitivo, os empresários Gran Caruso e Homem Montanha procuravam formar uma nova figura cultuada entre os jovens. Com aparência física similar à Marino, o potiguar de sangue italiano Nino Mercury seria equiparado a Wanderley Cardoso como o novo ídolo da juventude.
“O Ted Boy foi uma grande estrela. Na época ele estava se afastando da Luta Livre por estar nos Trapalhões. E nos cartazes eles me colocavam como ‘O Ídolo da Juventude, Nino Mercury’. Só que eu não podia viajar, então eles não deram sequência ao projeto. Mesmo assim, consegui conciliar. A Luta Livre pode estar no auge hoje, mas amanhã ela pode ser esquecida”, alertou Nino.
Nino Mercury trabalhou por anos com os Astros do Ringue e seus últimos trabalhos foram com os Gigantes do Ringue. Prestes a completar 70 anos de idade e interessado na luta livre desde 1968, o lutador lamenta a visão que o entretenimento esportivo ganhou na sociedade e relembra um grave acidente em combate que quase lhe custou a vida.
“É gratificante até hoje em dia ser abordado na rua e reconhecido como o Italianíssimo. Mas ainda assim muita gente trata a luta livre como ‘marmelada’. Nada disso. É show, é espetáculo. É como uma novela, você tem que encenar, tem que sofrer. Eu tive um acidente com o Menino Montanha de Bragança Paulista que me fez ir parar na UTI. No meu caminho inconsciente ao hospital de Cotia, acompanhado por Kalifa das Tormentas e o próprio Menino Montanha, escorreguei da maca e quase ocorreu outro acidente. Fui liberado sem nada constatado, mas no dia seguinte não acordei me sentindo bem e fui para um hospital em Santo André. Fiquei três dias internado e tive uma paralisia facial. Tudo isso ocasionado por uma queda de costas que tomei fora do ringue em um ginásio lotado em Cotia. Meu ouvido e meu nariz sangraram. Fiquei internado, mas fiz diversas seções de fisioterapia e hoje estou aqui para te contar a história”, recordou o lutador.
O lutador trabalhava como office-boy em um banco. Por se tratar de uma atividade que fazia nas ruas, era reconhecido pelo seu trabalho nos ringues. Apesar da sedução apresentada pelo dinheiro fácil, o lutador trabalhou para o banco até se aposentar.
“Eu não caí nessa ilusão de se entregar para a Luta Livre. Tive medo de largar o certo pelo duvidoso. Eu tenho uma família. Cheguei a lutar em circos e ginásios no interior que tinham mais de 2000 pessoas do lado de fora. Na época dos Astros do Ringue, nós viajávamos pra São Paulo com dinheiro no carro. Eram três, quatro shows por semana. A gente ganhava muita grana. Andávamos de sacola, igual ao Edir Macedo (risos). Infelizmente o pessoal começou a encarar como marmelada. Isso evoluiu até matar com a Luta Livre no Brasil. Nos Estados Unidos, Luta Livre é coqueluche. No Japão, no México…Nesses lugares a Luta Livre tem a força que o futebol tem no Brasil”, constatou Nino Mercury.
AS TRÊS FASES DO AUGE
Além dos grandes nomes que apareciam nos ringues, com Ted Boy Marino, importantes empresários alavancaram a Luta Livre no período de ouro – ou pré-marmelada – compreendido como tudo que houve entre as décadas de 1960 e 1980. Tudo começou quando a Rede Globo notou o entretenimento esportivo.
“Os anos 60 tiveram a grande presença do Teti Afonso, que era da Rede Globo e abriu as portas para a Luta Livre na grande mídia. Alí estourou, virou febre, e seguiu uma boa trajetória”, comentou Marcos Monges, atual comentarista da BWF e entusiasta da história da Luta Livre Nacional.
Marcos Monges dividiu as três décadas de auge do entretenimento esportivo em três períodos distintos liderados por três empresas responsáveis diferentes.
“Pouco mais de uma década depois do auge na Rede Globo, Cangaceiro, Caruso e o falecido Homem Montanha mantiveram essa chama acesa na Bandeirantes com os Astros do Ringue. O último empresário a pegar esse auge foi Michel Serdan, nos anos 80, com os Gigantes do Ringue na Record”, recordou Marcos.
Apesar do destaque dado aos nomes maiores, outros empresários também foram importantes para inserir a Luta Livre como um aspecto cultural na sociedade brasileira. Diversos lugares por todas as regiões do país contavam com apresentações por vezes até organizadas por lutadores.
“A LUTA-LIVRE ENTERROU A LUTA LIVRE”
“No fim desta terceira fase, na minha ótica, a Luta Livre enterrou a Luta Livre. Após os Gigantes saírem da Record, a Luta Livre pegou uma geladeira danada na mídia. É como se as emissoras tivessem virado as costas pra gente. Chegou um momento que até o envolvimento com política queimou o esporte. Tudo isso aliado às divergências de empresários e emissoras, agenciadores que não cumpriam o prometido com patrocinadores e prefeituras fez com que a Luta Livre se queimasse na mesma velocidade em que a chama do telecatch se alastrou pelo país”, comentou Marcos.
O pesquisador, Jornalista e Mestre em Comunicação pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Carlos do Amaral, também atribui a queda do entretenimento esportivo propiciado pela Luta Livre aos próprios responsáveis por promover shows e à censura do período da Ditadura Militar.
“Quiseram enganar as pessoas como se tudo fosse uma competição e a verdade apareceu, assim a Luta Livre tropeçou em suas próprias pernas. Os meios de comunicação se sentiram enganados e passaram este ódio para o povo, que ainda se divertia. Até hoje isso acontece. A mídia escolhe os amores e malvados que devemos seguir. Contudo o maior problema de sua decadência se deu pela ditadura militar. Com os programas muito tarde na TV, os anunciantes deixaram de investir e com o tempo o cenário foi ficando menor”, disse Carlos do Amaral.
O Brasil não é considerado o “país do futebol” à toa. O esporte gera quantias absurdas de dinheiro todos os anos e faz movimentar uma fatia considerável da roda da economia nacional. Diante do dinheiro fácil, patrocinadores e mídia voltaram todas as suas atenções para o poder de entreter do futebol, deixando de lado os esportes de combate.
“A partir do momento em que os meios de comunicação mudaram seu pensamento e apostaram de uma vez por todas no futebol, ficou claro que a Luta Livre seria complementada de muito preconceito. O Boxe que era também um grande esporte de luta também foi. Compreendo que se vendessem a Luta Livre como uma arte dentro da guerra dos vilões e heróis, além de menos sangue nas lutas, sem dúvida ela teria ido mais longe”, declarou Carlos.
Clamando por realidade, a população brasileira desenvolveu a mentalidade de que o esporte praticava a “marmelada”, termo que surgiu em nossa cultura por causa de certa prática utilizada para fazer render o doce de marmelo. A guloseima era misturada com chuchu para criar a ilusão de que havia muito doce, afinal, chuchu não tem gosto. A marmelada acabou se tornando sinônimo de trapaça, de tapeação.
A Luta Livre mistura o esporte de combate com elementos teatrais, criando, de fato, uma “marmelada”. Com isso existem as vertentes mais tradicionais que clamam que a magia do espetáculo está em achar que o que acontece é real, e outros que já pensam que o importante é entreter com as acrobacias e golpes encenados, deixando o público previamente informado do que pode acontecer.
“Quando estive na WWE me disseram que nós enganamos o público por muito tempo tentando passar a imagem de que tudo era real. Em 1986, quando entrei com os Gigantes na TV Record, pedi autorização do dono, Paulo Machado de Carvalho, para dizer que tudo aquilo era um show, assunto que ficou sob minha responsabilidade. O narrador abria o programa dizendo que tudo aquilo era um show e pra torcerem pra quem quiserem. Virou loucura! Fiquei 10 anos no ar entre Record e Gazeta. Em compensação, fui excomungado pelos lutadores veteranos como se eu fosse um câncer para a Luta Livre”, desabafou Michel Serdan, um dos maiores nomes da Luta Livre Nacional e líder dos Gigantes do Ringue.
“A forma como era conduzida a Luta Livre se tornou chata de ser assistida. Não conseguimos atrair novos fãs para acompanhar. A falta de novos talentos gerou a perda de público, que gerou a perda de patrocinadores, que gerou a perda da credibilidade. A Luta Livre chegou ao ponto de aparecer em programas se ridicularizando apenas para manter-se na mídia, o que para eles gerou a visão de que era trash, bagunça, tiração de sarro”, comentou Bob Junior, diretor técnico da BWF e que também está no hall de grandes nomes em atividade na Luta Livre Nacional.
Os dois últimos shows a terem alguma oportunidade na grande mídia foram conduzidos pelos dois últimos nomes a aparecerem nesta reportagem: os Campeões do Ringue de Bob Junior na Record entre 1997 e 1998 (que podem ser considerados como a atual BWF) e os Gigantes do Ringue de Michel Serdan na Gazeta entre os anos 2000 e 2005. Passagens pequenas para a grandeza que a Luta Livre chegou a ter em um período não muito distante.
GIGANTES DO RINGUE
Na década de 1970 inúmeros promotores de eventos tentavam colocar seus shows de Luta Livre em circos, o principal meio de apresentação do entretenimento esportivo. Os próprios donos do picadeiro eram responsáveis por montar o ringue com paus e cordas, ficando à cargo das empresas a lona e, claro, os lutadores, árbitros e profissionais do espetáculo.
Michel Serdan decidiu montar sua equipe, que até o começo da década de 1980 não passava realmente de uma equipe. Aos poucos eles foram se profissionalizando e foram registrados como “Empresa de Lutas Michel Serdan LTDA”, o que abriu portas para que empresários de todo o país e do exterior firmassem acordos para exibições em lugares que não se imaginaria que um dia passaram lutadores performáticos. Um exemplo foi Serra Pelada, onde os Gigantes do Ringue atuaram para os garimpeiros e população da região.
Outros eventos marcantes da história dos Gigantes do Ringue aconteceram em palcos reconhecidos nacionalmente. Em 1988 a empresa se apresentou em um Ginásio do Ibirapuera lotado. Michel Serdan fez equipe com Moretto para enfrentar Belo e o Múmia Negra. No calor da emoção, a população se deixou levar pelas atitudes maldosas dos lutadores base (vilões) contra Michel Serdan e tomaram as dores dele. Enquanto ele ensaiava uma reação, um morador invadiu o ringue e atacou Belo e Múmia. Isso gerou um verdadeiro caos dentro do ginásio, com cadeiras sendo jogadas para dentro do ringue e insatisfação geral. Aos gritos de “Calma, Pessoal! Não é isso que queremos ver”, o narrador Carlos Valadares tentava contornar a situação, enquanto os lutadores faziam sinal de que tudo estava bem.
No mesmo ano, com Michel Serdan enfrentando seu algoz Aquiles na primeira – e única, até o momento – luta na jaula da história do país, 15 mil pessoas acompanharam o show ao vivo no Ginásio de Esportes de Itapecerica da Serra e mais um número considerável de pessoas assistiu pela TV Record.
“Acredito que evoluí muito desde que comecei a carreira. Por ter feito um estágio bancado pelo SBT na WWE em Stamford, Estados Unidos, hoje me sinto bastante capacitado para tocar a Luta Livre de maneira profissional, coisa que não acontece hoje no Brasil”, comentou Michel Serdan.
Hoje com 75 anos, Michel Serdan continua como a mente pensante por trás dos Gigantes do Ringue. Com quase seis décadas de carreira, o ex-lutador cogita sua aposentadoria dos negócios.
“Só estou ainda no ramo pelo amor que tenho pela Luta Livre. Talvez este seja meu último ano. Depois vou passear pela Europa. Devo isso a minha esposa Aida. Vamos visitar um filho e netos na Irlanda, depois vou para Portugal. A partir daí deixo nas mãos de Deus. Quando voltar, verei o que fazer, pois está surgindo um novo público e novos lutadores. Quem sabe não participo do começo do futuro?”, indagou Michel.
Em uma academia que leva o nome de Serdan, localizada no distrito da Mooca em São Paulo, novos nomes são preparados para manter a tradição dos Gigantes do Ringue.
OS NOVOS GIGANTES DO RINGUE
“Quando eu estava no ar pela TV sempre fomos o segundo lugar em audiência no horário”, recordou Michel. “Na época a WWF tentou por várias vezes fazer concorrência e perderam. Quando me perguntavam porque não copiava os americanos eu respondia que não sabia até onde eles iriam chegar. Hoje eu sei! Mas sei também que não dá pra competir, porque seria apenas caricatura, mas, em muitas coisas o atleta brasileiro, bem treinado, supera os americanos. Então dá de certo modo para competir sem parecer cópia.”
Apesar de Michel Serdan segurar as pontas do tradicionalismo com a ideia de que “os jovens de hoje são os idosos que assistem televisão amanhã”, com as antigas gerações nos deixando, novos nomes começam a surgir com uma proposta mais globalizada e os Gigantes do Ringue inauguraram um novo conceito: a categoria de base Revolution Wrestling Brasil.
O projeto foi lançado em 2016 para seguir a tradição de formação dos Gigantes do Ringue, a empresa mais antiga do ramo em atividade no Brasil e maior formadora de talentos profissionais de Luta Livre. Nos finais de semana, o “Garoto de Ouro” Rony Kidd treina seus alunos para transformá-los nos novos Gigantes do Ringue.
“Desde que comecei com o projeto RWBrasil, treinei mais de 40 alunos, todos entre 15 e 25 anos. Poucos foram para outras equipes, alguns pararam por causa dos estudos, mas a maioria permaneceu comigo e participam das nossas Lives no YouTube e Facebook. Cheguei a formar um lutador que foi tentar seguir carreira na WXW da Alemanha. O projeto tomou uma proporção muito positiva para o GDR. De fato, podemos dizer que temos o futuro da luta livre em nossas mãos, pela combinação de presente, passado e futuro”, declarou Rony.
Rony está envolvido no meio da Luta Livre desde muito novo. Aos seis anos começou a frequentar as gravações dos Gigantes do Ringue na Gazeta com seus pais e seu irmão (que hoje também luta no GDR como Tony Angel). O pai de Rony prestou serviços de transporte de ringue para Michel Serdan por muito tempo, até que em 2011, Michel convidou Rony para interpretar o garoto travesso que adorava atrapalhar as lutas. E assim surgiu Rony Kidd, o atual Campeão Brasileiro de Luta Livre e diretor de novos talentos do GDR.
Na cintura, Rony carrega consigo o peso de uma história. O Campeonato Brasileiro de Luta Livre surgiu em 1987 como uma parceria dos Gigantes do Ringue com o Governo do Estado de São Paulo. Na época, o governador Orestes Quércia surgiu com um plano para evitar que o show saísse da TV Record por falta de patrocinadores e pediu para o Secretário de Esportes e Turismo, Deputado Wagner Rossi, para que fossem produzidos dois cinturões, um de ouro para entregar ao Campeão Brasileiro de Luta Livre e um de prata para o Vice-Campeão. Todos os lutadores do GDR da época participaram de um torneio e Michel Serdan levou a melhor, sendo coroado como o primeiro campeão, cena que se repetiria por outras duas vezes. O “Carrasco Português” Belo teve que se contentar com o vice-campeonato.
“Juventude aliada com a experiência”, por mais clichê que pareça, é uma boa forma de definir o atual estado da empresa. Em 2016, visando atingir um novo público, foram precursores em transmitir ao vivo e profissionalmente um evento de YouTube. O GDR Batalha Campal contou com três câmeras com corte ao vivo e equipe coordenada pela Agartha Filmes, na época parceira do GDR.
Jovem, porém cheio de responsabilidade, Rony ressalta a importância de observar o passado para se construir o presente.
“O lutador de antigamente era mais carismático, sabia como provocar ou atrair o público. Hoje tem muitos, mas muitos lutadores que só olham para o chão, e esquecem que tem gente em volta dele assistindo, que precisa de uma interação por parte do ‘artista’ que está no ringue. Quem tem uma ampla história como a nossa, deve pegar esses fatos que aconteceram no passado, e somar com o que acontece na atualidade, para obtermos a evolução que almejamos”, disse Rony Kidd.
Muitos dedos se apontam para Rony como o sucessor de Michel Serdan no comando dos Gigantes do Ringue, tema que ainda é uma incógnita até mesmo para quem faz parte da equipe. Acima de tudo, Rony é um garoto que viveu um turbilhão de coisas em meio à Luta Livre Nacional com a mesma velocidade em que ele atua dentro do ringue.
“Posso dizer que adquiri muita experiência em pouco tempo de carreira, por estar trabalhando com grandes nomes da luta livre nacional. Fui treinado pelo nosso mestre Michel Serdan, pelo grande Marinheiro Jr, meu amigo e rival no GDR, Erivan Paulino, entre vários outros. Hoje posso dizer também que realizei todos os sonhos que eu poderia realizar dentro da luta livre: Ser lutador da equipe que eu sempre sonhei em estar, fazer a luta final de grandes shows do GDR, e ser detentor de um cinturão que tantas lendas já colocaram em seus ombros. Tenho uma boa relação com muita gente da luta livre nacional, e isso me deixa confortável para trabalhar. O GDR tem uma história incrível de glórias, e eu espero estar apto em continuar escrevendo essa história junto com os Serdans”, comentou o irreverente Rony.
A FAMÍLIA BWF
Outra empresa de renome no cenário nacional é a Brazilian Wrestling Federation, a BWF de São Paulo. Fundada originalmente em 2002 por Bob Junior, filho da lenda da Luta Livre Bob Léo, a empresa surgiu com o intuito de globalizar o entretenimento esportivo. E a inspiração veio justamente de Bob Léo.
No meio da década de 1990, Bob e Carlos Valadares comentavam o programa da WWF na Rede Manchete. Bob Junior teve, então, contato com o que realmente era a Luta Livre Mundial naquele momento e este acabou sendo o pontapé inicial para o projeto BWF.
“Desde quando a gente criou a BWF até hoje, tentamos resgatar a imagem de que a Luta Livre é um espetáculo, que o lutador precisa ser bem preparado e não é somente um ator que sobe no ringue. A gente fez uma reestruturação, mudamos a forma como era conduzida a luta, tiramos os rounds, criamos vários outros tipos de luta pra tentar manter o público mais ativo e atento. Reformulamos nosso quadro de lutadores, trouxemos jovens para serem os novos ídolos no lugar dos velhos ídolos, começamos a fazer eventos em lugares que a Luta Livre jamais entraria, como eventos de Anime e eventos Pop, que tem um público que sabia da existência da Luta Livre, mas não no Brasil. Mas claro, na nossa academia um jovem de 14 anos já passa a conhecer o Mr. Argentina, Bob Léo, Renato Dias, caras do passado pra pegar experiência. A modernização é importante, mas nunca podemos virar as costas pra nossa história. Não fosse por eles, talvez não mais existisse a Luta Livre no Brasil”, afirmou Bob Junior.
Realizando na atualidade quatro shows por mês e tendo a empresa Yamato como parceira e dona de parte das ações, a BWF apresentou a proposta do In House, evento realizado na própria academia da empresa no distrito de Água Rasa, em São Paulo. Com preços acessíveis de ingresso, os fãs podem acompanhar os talentos treinados na própria academia atuando. Antes mesmo do conceito ser estreado, passou pelos treinamentos de Bob Junior um nome que está em evidência no cenário mundial: Cezar Bononi.
No segundo semestre de 2015, Cezar Bononi, que atuou no Brasil como V8 Big Block, assinou contrato com a WWE, maior empresa de entretenimento esportivo do mundo. Bob Junior relatou o orgulho que sente de um de seus garotos estar brilhando em cenário mundial, oportunidade que ele deixou passar para fundamentar sua base em território brasileiro.
“O V8 começou aqui na BWF em 2002 e na época ele era um cara até fora dos padrões de tamanho da Luta Livre Nacional. Quando nós fomos procurados pela WWE, eles queriam um lutador com o porte dele, que falasse bem inglês. Ele encaixou como uma luva neste perfil. Depois das características baterem, o resto foi mérito dele. Ele foi lá pros Estados Unidos, fez o teste, passou e pra mim isso é como um sonho realizado. Quando a WWF (hoje WWE) estava na Manchete eu tive a oportunidade de poder ingressar em carreira internacional, mas eu optei por ficar aqui no país. Se ia me dar bem ou mal, ficou pra trás. O V8 era um menino que não sabia muita coisa de Luta Livre e de repente está na maior empresa de Luta Livre Mundial e, mais importante, ele vem crescendo a cada dia. A mesma filosofia da BWF é a dele: fazer a Luta Livre do Brasil ser reconhecida. E o nosso plano é ter mais nomes lá na WWE pra representar nosso povo”, comentou Bob Junior.
Praticando luta livre desde os oito anos no circo, Bob Junior aprendeu cedo a importância da família no cenário. A BWF mantém-se próxima dos familiares de seus alunos e lutadores para que exista o apoio em uma área tão complicada. Não são poucas as famílias que impedem jovens de entrarem na área por “não haver futuro” em uma área profissional.
“Todo empresário tem esse sonho de transformar uma empresa para este padrão da Luta Livre ser o primeiro emprego de alguém. Sempre foi o meu objetivo: fazer com que o lutador tenha uma carreira e possa levar a Luta Livre como outra profissão qualquer, não somente fazê-la por amor. A gente até tenta pagar um cachê, mas eu acho que é pouco. Eu até gostaria de pagar muito mais. Não falta muito pra alcançar esse objetivo de profissionalização completa, naturalmente o atingiremos, mas não há um prazo certo”, garantiu Bob.
FILHO DE DIABO, ANJO É
Ainda dentro da área familiar, por mais paradoxal que a chamada pareça, a Luta Livre quebrou a barreira religiosa também. Por quase 40 anos brilhou no ringue a estrela do mocinho Diabo Loiro, que não se chamava assim por suas atitudes ruins, mas por sua agilidade e suas peripécias dentro do ringue.
No final da década de 1990, o Diabo Loiro se viu encurralado. Como a TV Record era a emissora que tinha as portas abertas para a Luta Livre, havia um problema: ela já era comandada por pastores evangélicos. Eles disseram que o Diabo Loiro nunca poderia vencer uma luta, porque ele era o diabo, apesar de na terminologia específica ele ser considerado como um volante, algo equivalente a ser um mocinho. O Diabo Loiro então, para ter um lar na televisão, teve que mudar de nome para Rurik.
Falecido em 2010, deixou para a Luta Livre Nacional não tão somente seu legado, mas também um filho: Roberto Piovesan, outrora conhecido como Beto O Anjo Loiro, hoje chamado de Rurik Jr, seguindo os passos do pai.
Roberto se descobriu para a Luta Livre na adolescência. Apesar da influência familiar, o interesse só surgiu quando aos 14 anos foi convidado por Trovão, da Abraluli, para participar de um show que também teria a presença de Diabo Loiro. Muito tempo se passou e hoje Beto é considerado o líder da nova geração de talentos da Brazilian Wrestling Federation, com quem ele treina desde os 16 anos, quando saiu da Abraluli.
“Na época que eu cheguei na BWF a Luta Livre ainda não era tão americanizada. Eu tinha alguma noção do que estava fazendo muito por causa até do meu pai, mas eu aprendi muito com os lutadores antigos que ainda estavam por lá. Os anos se passaram e muita coisa já mudou. Eu evoluí, a própria empresa evoluiu”, comentou Rurik.
No dia 28 de Outubro de 2017, Rurik viveu um dos grandes momentos de sua carreira no evento da turnê mundial da WSW no Brasil. Ele compartilhou o ringue com Carlito, ex-lutador da WWE que estreou derrotando John Cena, um dos grandes nomes da história do entretenimento esportivo, e defendeu a posse do Campeonato Brasileiro da BWF na ocasião.
“Eu defendi o título brasileiro contra o Carlito. Não tenho muito a dizer além de que foi muito louco (risos)”, brincou Roberto.
A VISÃO DO EXTERIOR
Apesar da realização do grande evento ter sido apenas no segundo semestre de 2017, Axel, o promotor por trás da World Stars of Wrestling, já flertava com o Brasil desde 2008. Em Abril de 2017, ofereceu um pacote à empresa brasileira BWF para a realização de um show da turnê mundial da promotora baseada em Portugal.
Todos os detalhes foram acertados e firmou-se a presença dos lutadores internacionais de renome como Carlito, Chris Masters, Juventud Guerrera e Rey Mysterio, este último que não se fez presente por conta de problemas relacionados ao seu voo dos Estados Unidos para São Paulo.
“As negociações foram muito rápidas e sem maiores dificuldades, visto que Axel já era um velho conhecido. Em Julho fizemos o anúncio oficial e o restante ficou pra história”, comentou Iran Santiago, responsável pelas relações exteriores da BWF.
O show contou com um público estimado de 300 pessoas presentes. Os ingressos custavam entre 70 e 520 reais, um preço salgado dadas as condições financeiras do país.
“Creio que realizar um evento de luta livre, por não ser algo que atrai grandes públicos no Brasil já é por si só um grande desafio. Além disso, temos todos os elevados custos de itens de produção, iluminação, painel de LED. Ainda assim é possível notar uma evolução no quesito público nos últimos anos. O cenário tem evoluído com o tempo, mas se analisarmos alguns países da América do Sul, veremos que falhamos em alguns pontos”, desabafou Iran.
Desde 2011 no cargo, Iran cuida da contratação de lutadores para eventos, parcerias com empresas e divulgação de material, já tendo lidado com lutadores latinos e até japoneses neste período. Em meio às conversas da reportagem, contou fatos impublicáveis sobre as aventuras de alguns em áreas conhecidas da cidade de São Paulo, mas burocraticamente falou qual a primeira impressão tradicional dos lutadores estrangeiros ao chegarem em território brasileiro.
“Alguns chegam com o tradicional ‘aqui pode se fazer tudo sem qualquer problema’. É o tal do preconceito. Sempre que vem um lutador estreante já tenho uma conversa para orientá-lo. Isso evita problemas para eles e principalmente para nós”, contou Iran.
LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA
No dia 20 de Fevereiro de 2018, o Senado aprovou o decreto assinado pelo presidente Michel Temer que determinava a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, o que deixou a segurança pública nas mãos de um interventor militar até o dia 31 de Dezembro. Esta é a notícia que corre o mundo e contribui com a visão obtida pelos lutadores de outros países antes de pisar em solo brasileiro. Em um verdadeiro clima de guerra, a população busca saídas para se divertir. Na Zona Norte do Rio de Janeiro, a Federação Internacional de Luta Livre tenta contribuir para isso.
“Nosso local em Vicente de Carvalho era encontro de milicianos e um local cercado de favelas. Com tiroteios mais frequentes do que qualquer um imaginaria. Só impedimentos, mas se desistirmos, tudo acaba, inclusive a chance de melhorarmos em tudo”, disse José Thiago Brito, fundador e treinador da FILL.
José também luta como o personagem Tytan. Ele é morador da Rocinha e lamenta o clima de insegurança da cidade do Rio:
“Tudo isso inspira um cenário quase inócuo para novas atividades culturais. Temos políticos presos, inelegíveis, foragidos. Tudo isto resulta em insatisfação e praticamente nenhuma indicação governamental para nós. Tínhamos um apoio local anos atrás, mas uma disputa partidária desestabilizou o apoio na favela que tínhamos”, comentou José.
A história da Federação Internacional de Luta Livre começou há quase 11 anos e traz muita superação e muitas dificuldades. O local que a equipe realizava seus eventos foi fechado pelo Ministério Público por uma série de irregularidades. Os primeiros lutadores chegaram a treinar em um parque e até na praia antes de possuir o elemento que muitos julgam como necessário para a luta: o ringue.
“Tudo que tinha aprendido tinha sido com dois irmãos que me ajudaram neste sonho de me tornar um lutador performático. Treinamos por dois anos na praia, até alugarmos um espaço em um clube em que estamos até hoje. Neste meio tempo montamos vários ringues com muito esforço e sem conhecimento de causa, alguns não deram certo, mas continuamos até hoje tentando acertar. Fico feliz em ver pessoas que começaram há pouco tempo já ensinando outras a darem os primeiros passos sobre o ringue. Meu eu da época dos treinos da praia ficaria maravilhado com o que construímos hoje só com o esforço da boa vontade”, enalteceu Tytan.
A FILL agora estará avaliando a utilização de uma Lona Cultural no bairro Guadalupe para poder realizar seus eventos. Mesmo com as dificuldades, José se prende em um fio de esperança que somente a força de vontade de cada um pode ser a responsável por reverter este cenário do entretenimento esportivo no país.
“Sou morador de comunidade, sei como isto poderia ajudar e levar diversão à diversas favelas da nossa cidade, mas o clima não é inspirador e nosso apoio é limitado às nossas forças, infelizmente. Se não acreditássemos ser possível viver disso como uma companhia de teatro, certamente não nos dedicaríamos tanto. Não muito diferente do nosso cenário no país, quem treina geralmente trabalha fora ou tem alguma fonte que retira do bolso para se manter nos eventos e chegar até o local do treino. Mesmo quando produzimos shows que somos convidados e consequentemente pagos, o valor é voltado para a manutenção do ringue ou o frete utilizado para o transporte do mesmo. Pouquíssimas pessoas conseguem viver de Luta Livre no país”, lamentou o lutador.
JUNTOS SOMOS FORTES
O Brasil é um dos países mais extensos do mundo, tendo mais de 8 milhões de quilômetros quadrados em território. A distância por vezes torna inviável para os fãs acompanhar o produto nacional in loco. Como se não bastasse a distância, os grupos possuem rixas internas que impossibilitam trabalharem em conjunto em prol do desenvolvimento do entretenimento esportivo. Dito isso, a FILL tornou-se precursora ao organizar o evento Juntos Somos Fortes, com a primeira edição tendo sido em 2013. O show junta algumas das principais federações do Brasil.
“Gasta-se muito dinheiro para ir de um ponto a outro, mas o mesmo desejo que há em mim, sei que reverbera em muitos outros pelo país adentro. Foi tendo esta certeza que algumas pessoas acreditaram em mim quando propus o evento que buscava unir todas as equipes com o mesmo objetivo, que é promover a Luta Livre e a troca de experiência entre as mesmas. Na época apenas os lutadores sem muita experiência ou reconhecimento toparam a empreitada, saíram de seus estados e vieram para um local desconhecido, sem nenhuma garantia e apenas a certeza da palavra de um estranho. O primeiro evento deu bastante certo, o segundo sonhamos muito alto e não nos planejamos corretamente, o terceiro e o quarto tinham um público mais ‘certo’. As principais dificuldades são a alimentação e estadia, pessoas diferentes, com costumes e culturas diferenciadas. É um desafio e algo muito agradável”, recordou Tytan.
A quarta edição ocorreu no dia 17 de Fevereiro de 2018 em Sapucaia do Sul, no Rio Grande do Sul. A organização ficou por conta do grupo natural do estado, a EWF. Foi o segundo ano consecutivo que Matheus Frutuoso assumiu a responsabilidade do ousado projeto, que nesta edição contou com lutadores do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e diversas cidades do Rio Grande do Sul.
“Desde que conheci o Tytan nos tornamos parceiros nessa empreitada. Ele sempre organizou o evento, mas eu acabei tomando parte destas questões organizacionais e criativas das últimas edições. Eu quis trazer o Juntos Somos Fortes pra Sapucaia porque, das equipes envolvidas, a nossa era com a melhor estrutura. Eu tentei proporcionar o melhor possível dentro do que temos em mãos. Tentei premiar os lutadores com camisetas e até algumas lembranças. A gente não tem investimento, sai tudo do nosso bolso. Então vamos aprendendo a fazer e levando na raça, sem apoio de palavras ou financeiro. O Juntos Somos Fortes 4 foi o melhor em técnica e em estrutura”, comentou Matheus Frutuoso, fundador da EWF.
EWF EM: A POLÊMICA VENDE
A Evolution Wrestling Force surgiu de uma incompatibilidade de ideias de Matheus com seu antigos companheiros da South Wrestling Union no primeiro Juntos Somos Fortes, que ocorreu no Rio de Janeiro.
Em atividade desde 26 de Junho de 2014, realizam treinos em dois horários, quatro dias por semana em Sapucaia do Sul. Nas tardes de terça e quinta, a EWF dedica o horário para o projeto pioneiro EWF Kids, com treinamentos adaptados para crianças e adolescentes. Todos os treinos são ministrados pelo próprio Matheus, que é profissional certificado na área de Educação Física.
Em poucos anos a EWF já esteve como o centro de polêmicas por seu estilo “pouco convencional”.
“A EWF não tem nada a ver com as antigas empresas do Sul. E não é por não querermos tê-los como referência de identidade, mas é por ninguém nunca ter se aproximado da gente para ajudar. Nunca nos deram nenhum reforço positivo. Muito pelo contrário, só recebemos coisas negativas. O que a gente pratica acaba gerando polêmica porque tentamos fazer coisas inusitadas, impactantes e violentas, o que normalmente as pessoas têm repulsa. A gente utiliza muito estereótipo, caricatura e coisas assim. A ideia é levantar polêmica e fazer com que as pessoas falem sobre”, sustentou Matheus, que atua com o nome de KaOz.
Matheus criticou a falta de união das empresas nacionais em prol do crescimento da Luta Livre em território brasileiro.
“A forma atual ainda está uma droga. Cada grupo – não chamo nem de empresa – agindo pelos próprios interesses e ninguém quer se apoiar, todo mundo só quer enaltecer seu próprio lado. A ideia seria algo parecido com o cenário independente americano: várias empresas com os lutadores circulando entre elas. Só que o nosso universo ainda está muito distante disso, porque a gente não tem apoio, falta investimento externo, falta grana… Não adianta. Enquanto o pessoal não abrir o olho que há material interessante que vale a pena ser assistido, vai continuar assim”, reclamou KaOz.
SOUTH WRESTLING UNION
Em contrapartida, a South Wrestling Union surgiu em Setembro de 2011 com a proposta de fazer a luta livre gaúcha se modernizar com técnicas mais americanizadas. Fundada por Matheus Bauer, André “O Ogro”, Eduardo Goulart, Escorpião Negro e Sombrero Voador, o grupo tenta pregar exatamente aquilo que o nome diz “Wrestling Sulista e União”.
Apesar da clara tentativa em modernizar o que é praticado, Eduardo Goulart, o Rusher, enaltece a influência da antiga geração em sua carreira.
“Quando comecei a praticar, tive a oportunidade de conhecer alguns lutadores antigos como o Chester, Índio Kindar e Escorpião Negro, sendo este último com quem mais aprendi sobre a Luta Livre Nacional. Levo comigo até hoje as quedas e rolamentos que ele me ensinou. Com ele aprendi que um simples gesto pode vender a luta toda”, comentou Eduardo, atual campeão de duplas da SWU.
A liga esportiva realiza seus treinamentos em uma academia de Porto Alegre duas vezes por semana. A busca pela americanização tem sido um viés muito utilizado em outros países da América do Sul, como o Chile, que tem se destacado positivamente no aspecto de qualidade e profissionalização do entretenimento esportivo, seguindo moldes mais globalizados.
Eduardo Goulart, considerado o porta-voz da SWU, acredita que a localização do Rio Grande do Sul facilita um possível aprendizado com os outros países que obtiveram este sucesso na América do Sul, algo que acaba esbarrando nas impossibilidades financeiras dos atletas ou até mesmo na burocracia.
“Se o lutador gaúcho pretende aprender algo a mais ou ter uma experiência no exterior, além de passar por um processo de avaliação do responsável pela empresa que pretende lutar, ainda é cargo do mesmo arcar com algumas despesas para se fazer possível a ida para outra empresa. A localização faz diferença no custo da viagem, porém é importante enfatizar que somente ter o dinheiro e ter como bancar a viagem não é o suficiente. O processo de seleção de quase todas as empresas sul-americanas é rígido e cabe ao lutador fazer um bom trabalho para que essas oportunidades surjam”, comentou Rusher, que chegou a atuar na Argentina em 2016.
Apesar das dificuldades, Rusher tem uma visão positiva do material que é apresentado pelas empresas de Luta Livre da atualidade.
“Vejo a Luta Livre de um ângulo muito positivo. Vejo equipes pequenas tomando rumos muito importantes para as suas carreiras, oportunidades surgindo no mercado nacional. Eu vejo o entusiasmo de se fazer um bom trabalho em vários grupos. Precisa-se de uma marca que abrace um projeto bom, coisa que não falta, porque existem muitos lutadores de qualidade. Só assim haverá uma profissionalização rumo à retomada da grandeza”, prognosticou o lutador.
“NO SUL ELES BATEM MAIS FORTE”
O leitor não deve entender a americanização ou globalização como um processo necessário pela “falta de cultura” do estado ou do país neste aspecto. O Rio Grande do Sul também tem sua tradição com a Luta Livre. A TV Gaúcha – hoje RBS TV – exibiu na década de 1960 o programa Ringue Doze. Todos os domingos à noite, nomes como Ted Boy Marino, Scaramouche, Fantomas e Tigre Paraguaio roubavam a cena e atingiam índices de audiência que nenhuma outra empresa conseguia competir.
Stiner foi um dos nomes que marcou época no cenário sulista. Começou a carreira em 1966, oriundo do Judô. Ele treinava com Carlos Dornelles, filho do empresário que liderava o projeto da Ringue Doze. Por 23 anos se alternava entre mocinho e bandido nos rounds dos combates.
“Eu fazia essa mistura [de mocinho e bandido]. Dois rounds eu lutava como mocinho, depois como bandido. Esse era meu diferencial”, explicou Stiner.
Questionado sobre as diferenças entre o que era praticado no Sudeste para o Sul, foi enfático:
“A única diferença é que aqui [Sul] a luta sempre pareceu ser mais real. Se batia mesmo (risos). Era mais real do que nas outras regiões”, comentou Stiner.
A INTERNET COMO ALTERNATIVA
Distante do tempo que a Ringue Doze ocupava a faixa de horário do Fantástico na televisão, a Luta Livre busca um meio de comunicação um pouco mais democrático para continuar sobrevivendo. Por ser um núcleo de caricaturas e personagens marcantes, o entretenimento esportivo acaba chamando a atenção do público infanto-juvenil. E não há nada mais infanto-juvenil na atualidade do que a utilização do YouTube.
“Grande parte da população desta faixa de idade passa boas horas do seu tempo na plataforma. Na maioria das vezes, os webespectadores não ficam rolando uma página e acabam passando pelo conteúdo, como se não tivesse importância, eles dão uma chance ao produtor e ao produto, podendo ou não assistir até o final e, assim, acabar aprendendo sobre o assunto abordado”, comentou Victor Francesco.
Francesco atualmente é dono e produz conteúdo para um canal do YouTube especializado em Wrestling, o 4 Tomatoes Cans. De maneira didática, busca explicar um pouco da história da Luta Livre no mundo, sem esquecer de apoiar o entretenimento esportivo em âmbito nacional. Na visão dele ainda há desconhecimento por parte das empresas nacionais dos benefícios da Internet.
“As promoções brasileiras ainda estão aprendendo a fazer conteúdo para a internet. Alguns bons exemplos são a qualidade de gravação e edição da BWF, as histórias de bastidores da CFW e a interessante fotografia nos segmentos da EWF, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido até a qualidade estar decente ao ponto de conseguirmos elogiar todos os pontos da produção. Não só na luta livre nacional a Internet tem sido a mais importante mídia para pequenas e médias empresas de wrestling”, exaltou o produtor.
Os canais brasileiros do YouTube relacionados à Luta Livre que apresentam maior número de inscritos e visualizações, ironicamente, não são os canais que apresentam a Luta Livre Nacional. Com mais de 60 milhões de visualizações e mais de 250 mil inscritos, MatthsGamerBR traz um conteúdo infanto-juvenil baseado em Videogames e Luta Livre. Atualmente ele também faz parte do plantel da BWF como lutador.
Em comparação dos números do YouTube somente tratando das empresas nacionais, a BWF e o GDR apresentam mais de 700 mil visualizações em seus respectivos canais.
DISTÂNCIA DA GRANDE MÍDIA
A mídia tem grande influência no comportamento social. Reportagens de grandes portais de notícia e até emissoras de televisão enaltecem termos como ‘marmelada’ e ‘luta de mentira’ quando falam sobre a Luta Livre, muito, de fato, por este ser o senso comum. Em 2014, por exemplo, o ex-goleiro do Werder Bremen Tim Wiese assinou contrato com a WWE. O portal R7 noticiou: “Goleiro vira bombadinho e troca campos por luta de marmelada”. Isso evidencia o afastamento da popular Mídia Mainstream do entretenimento esportivo.
“Durante o processo da disseminação do esporte entre os americanos, ainda na primeira metade do século passado, sempre foi passada a ideia de que aquilo eram super atletas competindo em prol do entretenimento do público, mas não da violência real entre os lutadores, o que fazia com que a compreensão do objetivo do esporte ficasse muito mais clara. No Brasil foi diferente. No começo de tudo, os próprios responsáveis pelo esporte sempre tentaram passar a ideia de que aquilo era pra ser “de verdade”, fazendo com que a obviedade das coisas criasse uma impressão ruim de “mentira” com o público. Os frutos disso são colhidos até hoje, com todo o preconceito por parte daqueles que não são capazes ou não querem entender o conceito, e disseminam aquilo que é mais comum de ser absorvido pelo grande público”, comentou Izac Luna, dono do site Wrestlemaníacos.
O Wrestlemaníacos é o principal portal on-line especializado em notícias de Luta Livre. Com uma média de mais de 10 mil visualizações diárias, desde 2008 tratam das principais informações do mundo do entretenimento esportivo. Apesar da repercussão entre os fãs, existem dificuldades para uma melhor conexão com os produtores nacionais.
“A demanda por informações de empresas nacionais é muito restrita à um público específico, que geralmente só conhece depois de muito se aprofundar em pesquisas sobre luta livre nacional. Alinhado à isso está o ‘amadorismo’ no qual se encontra o compartilhamento de informações, que acaba por dificultar ainda mais o trabalho, visto que as informações que chegam na maioria das vezes são rasas ou mal repassadas. Isso atrapalha a própria empresa nacional na disseminação de seu conteúdo e o site de fazer sua parte nesse processo”, reclamou Izac.
O QUE MUDAR?
A Luta Livre Nacional é um verdadeiro quebra-cabeça. A desunião impera e muitos pensam que o único caminho seja a união para que exista a força. Utópico? Talvez. Mas acima de qualquer adversidade, a força dos guerreiros da Luta Livre não se resume àquela aplicada dentro do ringue para derrubar o oponente. A força de vontade está no dia a dia, em cada treinamento, em cada momento que eles precisam combater o preconceito contra o entretenimento esportivo.
Quilômetros de distância separam os fãs da Luta Livre em todo o Brasil. A divulgação ainda não é a mais adequada porque os que lutam, montam o ringue, costuram as roupas, usam o Facebook para anunciar que um novo show está no ar no YouTube. A Luta Livre exige múltiplas facetas. São vários os casos de lutadores que interpretaram mais de um personagem. Um ator pode fazer vários autores, cada qual com uma história diferente, mas um ator sempre será apenas um ator e um dia sempre terá 24 horas. Como exigir destes homens que levam a vida como Office Boys e tantas outras profissões dediquem um tempo para serem publicitários de sucesso?
A Luta Livre recebe na língua inglesa a denominação de Wrestling Profissional. Embora existam profissionais de luta livre, não se vai muito além. Falta, hoje, um homem como Ted Turner que na década de 1990 comprou uma empresa de Wrestling para seu grupo de emissoras nos Estados Unidos e investiu pesado para fazê-la a maior empresa do mundo. Tudo bem que depois ele desencantou e a empresa caiu em desgraça, mas este não é o ponto em que se deve chegar.
O auge chegará novamente quando o fluxo monetário for reativado. Quando o lutador apenas lutar. Quando a emissora emitir, quando os receptores receberem e apreciarem. Mas até lá os praticantes vivem o suor de um sonho pesado de uma noite de verão.
Ted Boy Marino e toda uma geração que marcou época já se foram. Personagens históricos ficaram marcados no passado e hoje são vistos como lutadores de mentirinha, de marmelada. Mas o fato é que, por todo o Brasil, sem perspectivas, apoio e somente com um ideal em mente, diversos atletas travam uma luta de verdade.
Parabéns quem conhece sabe que tudo é verdade, quem não conhece passou a conhecer diante desse texto muito bem feito.
Abraços e que venham mais textos .
Caramba, grande matéria, parabéns pelo trabalho.
A luta livre Nacional está dando paços importantes aos poucos, tenho certeza que daqui alguns anos tudo vai ser maior/melhor!!
Belíssimo texto.
Grande reportagem! Parabéns, se você não for jornalista profissional pode passar a ser!
Parabéns pelo resgate histórico do Telecatch e do diagnóstico presente.
Como filho de um dos grandes personagens desta história (Ted Boy Marino), fico muito feliz ao encontrar matérias com este nível de qualidade, e que buscam reviver o espetáculo que trouxe alegria a muitas residências brasileiras desde a década de 60.
Parabéns aos jovens que buscam perpetuar este espetáculo, apesar de toda dificuldade.