Nessa semana nós noticiamos que a GCW – Game Changer Wrestling, um dos maiores destaques da cena independente da luta livre nos Estados Unidos anunciou um grande show em Janeiro na Hammerstein Ballroom, casa da antiga ECW. O evento é a consolidação de um trabalho espetacular que a empresa tem feito nesses últimos dois anos e que colocou a GCW como um dos nomes a serem citados quando se fala de pro-wrestling estadunidense.
Mas o que é a GCW? Quem são os lutadores? Quais storylines eu devo saber pra começar a acompanhar? São muitas perguntas que surgem quando um novo nome como esse aparece. Para nos deixar por dentro de tudo que a gente precisa saber sobre a Game Changer Wrestling eu convidei o Morgan, lutador gaúcho e apresentador do canal Ratos de Ringue na Twitch para preparar um verdadeiro dossiê de tudo que um fã de luta livre precisa saber para acompanhar a GCW!
Disfrute da leitura e prepare-se para se apaixonar por mais uma empresa de luta livre.
Game Changer Wrestling, por Morgan do Ratos de Ringue.
Ao mesmo tempo que se está complicado ser fã da WWE, nunca foi tão fácil ser fã de luta livre. Vivemos em um momento em que produzir e transmitir eventos de luta livre se tornou mais fácil e acessível, ao mesmo passo que consumir esse tipo de produto tornou-se mais acessível. Por trás dessa explosão da luta livre “mainstream” com seus programas semanais, existe a luta livre independente. Quando se fala sobre luta livre independente é importante destacar, hoje mais do que nunca, que isso não significa luta livre de baixa qualidade técnica, tanto no ringue quanto na produção, na qualidade dos personagens e das histórias, ou no tamanho e alcance das empresas. Com o recente anúncio de um show na lendária Hammerstein Ballroom, não existe maior exemplo de qualidade no cenário indie que a GCW.
A Game Changer Wrestling é uma empresa fundada em 1999, originalmente com o nome Jersey Championship Wrestling. Em seus primeiros 5 anos de história, a empresa ganhou certo destaque no circuito no nordeste dos Estados Unidos, recebendo lutadores relevantes do cenário independente do período como Low Ki e Homicide. Em 2005, entretanto, a JCW foi vendida para uma empresa rival do mesmo estado, a National Wrestling Superstars, que não fez nada com a marca até o encerramento de suas atividades em 2012. Após o fechamento da NWS, Ricky O, o primeiro proprietário da JCW comprou novamente os direitos ao nome, voltando a fazer torneios e abrindo uma escola para treinar lutadores para o cenário nordestino dos EUA. Em 2015, após ser comprada pela dupla de Brett Lauderdale (que é dono da GCW até hoje) e por Danny Demanto (atual dono da rival ICW). A compra acarretou em uma mudança tanto de nome quanto de posicionamento, nascendo assim a empresa GCW que se especializava em deathmatch wrestling. A companhia, após se aproximar do seu nicho, começou a fazer shows cada vez maiores, tendo seu primeiro grande sucesso no Joey Janela’s Spring Break, em 2017. A partir disso o crescimento da GCW foi exponencial, em menos de 5 anos fazendo shows em todo o país, no México e no Japão.
A proposta do meu texto aqui hoje é apresentar essa empresa que tem ganhado mais notoriedade a cada evento, explicar alguns de seus personagens e suas facções mais relevantes, bem como falar sobre os principais eventos que acontecem no calendário GCW, que podem ser comprados individualmente ou em pacotes no site fite.tv.
Lutadores da GCW
Jon Moxley
Atual campeão mundial da Game Changer, talvez Jon Moxley seja o que menos precisa de apresentações. Conhecido pela sua passagem na WWE e atualmente por ser membro fiel da All Elite Wrestling, Moxley passa a impressão de que vai pra GCW para se divertir. Parte do carisma do Moxley sempre foi a sua proximidade com os fãs, passando a impressão, seja pelas suas roupas ou pelo jeito de falar, de que ele era “um deles”. Mas quando ele está no ringue da GCW, cercado de cacos de vidros e sangue (seja seu ou de seu oponente), ele parece estar se divertindo em outro patamar. Para quem ainda não teve a oportunidade de conhecer esse lado “deathmatch” do Moxley, acompanhar a Game Changer é uma boa pedida.
Lutas:
Jon Moxley x Nick Gage – GCW Fight Club – 2021
Jon Moxley x Davey Boy Smith – GCW Josh Barnett’s Bloodsport 5 – 2021
Nick Gage
O “Deus dessa merda”. A história de vida da segunda vida de Nick Gage está profundamente ligada à GCW. Após um momento muito difícil na sua vida, envolvendo vício e drogas e prisão por assalto a banco, Gage fala abertamente sobre como o apoio que recebia dos fãs via cartas o ajudou a entrar em um estado mental melhor e conseguir voltar para as deathmatches. Lutador veterano do estilo, Gage é o principal lutador da GCW, sempre conseguindo os maiores pops da noite indiferente da cidade onde a empresa esteja, carregando consigo o apoio da MDK. Mas para todo grande herói…
Lutas:
Nick Gage x Matt Tremont – GCW Ready to Die 2 – 2017
Nick Gage x Rickey Shane Page – GCW Run Rickey Run – 2020
Matt Cardona
Existe um grande vilão. Matt Cardona não foi a primeira pessoa a ter uma rivalidade intensa com Gage na GCW, mas certamente, foi o lutador cuja antagonização com o líder da MDK deu mais certo para empresa, tanto em questão financeira quanto em storyline. Cardona representa o oposto de tudo que a fanbase da GCW admira, e isso faz dele o heel perfeito para a empresa, aquele heel que faz com que todos paguem para vê-lo apanhar. Um cara da WWE, exibido, que tem um podcast falando sobre action figures e, ao ganhar o cinturão da empresa, começou a chamar a fanbase de “Universe” e adotou um cinturão giratório pra se chamar de Universal Champion e Rei da Deathmatch. Cardona está alcançando um patamar muito maior que Ryder jamais conseguiria e a GCW ama odiá-lo.
Lutas:
Matt Cardona x Nick Gage – GCW Homecoming Noite 1 – 2021
Matt Cardona x Effy – GCW Fight Club – 2021
Effy
Wrestling é gay. É por esse lema que Effy vive e é essa mensagem que ele carrega em toda empresa que trabalha com ele. Effy é talvez o lutador que mais ganhou notoriedade durante os anos de 2020 e 2021, passando de uma atração polêmica da FEST Wrestling para o porta-voz de um movimento que busca maior representatividade no cenário independente. Atualmente rivalizando com Matt Cardona pelo seu cinturão da Internet, o Daddy da Internet é um dos lutadores mais carismáticos da GCW, sem sentir vergonha de se expressar no ringue e nas redes sociais, mostrando luta livre independente toda segunda feira de noite, horário em que não existe nenhum outro programa de luta livre passando em lugar algum do mundo.
Lutas:
Effy x G-Raver – GCW Tournament of Survival 666 – 2021
Effy, Allie Katch e Everett Connors x 1 Called Manders, Mance Warner e Levi Everett – GCW Zombie Walk – 2021
Allie Katch
O principal nome feminino da GCW (e, falando sério, as vezes o único nome feminino do card, o que é uma grande crítica minha para com a empresa) Allie é uma lutadora que se reinventa constantemente. Estreando na cena como Allie Kat, com uma personagem mais brincalhona e com características felinas, Allie agora usa o sobrenome Katch, em referência ao berço da luta livre, Catch-as-Catch-Can, adotando um estilo mais “purista” ao lutar. Frequentemente aparece ao lado de Effy e da Second Gear Crew, Katch é tratada com igualdade no card, fazendo lutas intergender com elementos de hardcore junto com o restante do roster. Estreou em 2021 seu show temático na empresa, “Real Hot Girl Shit”, onde o card dá destaque para luta livre feminina independente.
Lutas:
Allie Katch x Mercedes Martinez – GCW The Aftermath – 2021
Allie Katch x Mance Warner – GCW Run Rickey Run – 2020
G-Raver
Escolhi o G-Raver para representar o núcleo de deathmatch da GCW por gosto pessoal, mas lutadores como Alex Colon e Jimmy Lloyd, rival de longa data de Raver, poderiam também estar aqui, juntamente com o atual campeão ultraviolent Drew Parker. O interessante da GCW é que, embora existam lutadores que façam mais deathmatch, o núcleo não é fechado, qualquer lutador que tiver interesse de lutar com esta estipulação está mais do que bem-vindo. G-Raver representa bem essa gama de lutadores que usa a deathmatch de maneira inventiva, contando grandes histórias no ringue e indo de encontro a todos que dizem que quem faz deathmatch wrestling não sabe lutar. Seus combates contra Effy e sua eterna batalha contra Jimmy Lloyd são exemplos do G-Raver roubando a atenção do card e entregando histórias muito interessantes até pra fãs que não se interessam pelas estipulações extremas.
Lutas:
G-Raver x Jun Kasai – GCW The New Face of War – 2019
G-Raver x Jimmy Lloyd – GCW/Black Label Pro 3 Cups Stuffed – 2021
Eventos da GCW
Bloodsport, Big Gay Bruch, Spring Break e outros eventos temáticos
Ao meu entender, um dos fatores que faz com que a GCW tenha conseguido o destaque que alcançou nos últimos 4 anos é por ela conseguir equilibrar bem diversos elementos existentes no cenário independente. Isso pode ser bem visto no que estou chamando aqui de eventos “temáticos”, dias que tem um card montado pensando em um lutador, uma temática ou um estilo. O que começou com o Nick Gage’s Invitational Tournament em 2015, um torneio de deathmatch que no próximo novembro vai para a sua sexta edição, e teve sua primeira grande explosão com o Joey Janela’s Spring Break, evento com lutas improváveis e que não se leva muito a sério, em 2017, logo se expandiu para uma característica marcante para a empresa. Um de seus eventos mais conhecidos é o Josh Barnett’s Bloodsport, inicialmente como Matt Riddle’s BloodSport, uma noite dedicada ao shoot style, com lutadores que possuem forte base nas artes marciais e no wrestling amador. A GCW também aposta em questões de representatividade dentro da luta livre, com eventos como o Effy’s Big Gay Brunch, onde todo o card é feito com lutadores LGBTQIA+, e o For the Culture, evento voltado para lutadores pretos e pretas.
Tournament of Survival e Acid Cup
Os dois torneios mais tradicionais da empresa, trazendo lutadores que terão destaque no futuro da GCW. O Tournament of Survival teve sua primeira edição em 2016 e acontece tradicionalmente no mês de junho (com a exceção da edição de 2020 que ocorreu em agosto em virtude da COVID-19). No seu hall de vencedores estão o falecido Danny Havo, Nick Gage, o mexicano Ciclope e o maior vencedor, Alex Colon, ganhando as três últimas edições do torneio. O torneio Acid Cup carrega o nome em homenagem a Trent Acid, lutador independente mais conhecido pelas suas passagens na CZW e na ROH. Sua primeira edição ocorreu em 2016, com Joey Janela saindo vencedor. A partir de 2020 o torneio foi retomado, agora ocorrendo entre o final de março e o início de abril. Os ganhadores das edições seguintes foram Chris Dickinson e Jordan Oliver, dois lutadores constantes nos cards da empresa.
The Collective, Fight Forever e outros eventos compartilhados
A The Collective é a celebração máxima da luta livre independente promovida pela GCW e por empresas parceiras. Durante três dias, a cidade escolhida testemunha shows de diferentes empresas de maneira quase contínua. Em outubro de 2020, nos dias 9, 10 e 11 de outubro, a cidade de Indianapolis, Indiana, foi palco de 11 eventos de 7 empresas diferentes. Em 2021 o evento ocorreu entre nos dias 8, 9 e 10 de abril em Tampa, Flórida, com 12 eventos da GCW, Unsanctioned Pro, Violence x Suffering e No Peace Underground. A data foi escolhida para trazer mais opções de luta livre independente para quem estivesse na cidade em função da Wrestlemania. Outro evento compartilhado que foi promovido pela GCW foi o Fight Forever, um evento que durou 24h, sendo dividido em blocos com diferentes empresas, como a Freelance Wrestling, Glory Pro, Camp Leapfrog entre outras. O evento foi transmitido ao vivo em toda sua duração, recebendo doações que seriam distribuídas entre os lutadores que tiveram seu trabalho impactado diretamente pela COVID-19.
Stables da GCW
MDK
Começando com o maior grupo da empresa, MDK é composto de Nick Gage e … a platéia. Em qualquer outra empresa seria estranho incluir um lutador como membro de uma stable com a platéia mas quem já viu uma luta do Gage, principalmente em eventos na Nova Jersey, vai entender o que eu estou querendo dizer. Gage faz toda a volta no ringue antes de finalizar a sua entrada, com a música tocando, agradecendo todos os fãs que estão lá e que o cercam, fazendo-o desaparecer por vezes no meio da sua gangue. A Murder, Death, Kill Gang é tão parte da GCW quanto Nick Gage e qualquer empresa do mundo pagaria muito pra ter um babyface com um terço da popularidade orgânica vista na entrada do Gage.
Second Gear Crew
Eddie Kingston, AJ Gray, Allie Katch, Effy, Mance Warner, Matthew Justice e One Called Manders
Essa é uma das stables mais influentes no cenário independente dos EUA atualmente, justamente por não ter surgido como fruto da storyline de uma determinada empresa. A stable começou como um grupo de lutadores que viam que a sua intensidade no ringue e os seus caminhos no circuito independente possuíam similaridades. O laço de amizade foi sendo fortalecido pelas horas viajando juntos, pensando sobre o cenário independente e saindo para beber depois dos shows. Mance Warner e Matthew Justice são os atuais campeões de dupla da GCW e defendem o cinturão em quase todos os shows da empresa, sempre em lutas hardcore que lembram muito a antiga ECW. Os seus membros estão espalhados em todo cenário estadunidense, tanto em empresas, levando sua bandeira para empresas já consolidadas, como PWG, Beyond e AAW, quanto para empresas ainda em ascensão, como a FEST e a West Coast Pro.
440H!
Atticus Cogar, Bobby Beverly, Eddy Only, Eric Ryan, Gregory Iron e Rickey Shane Page
A stable foi construída em volta de RSP, que se estabeleceu como um dos maiores heels na empresa a partir da sua segunda aparição, em 2019. Rickey roubou o cinturão do então campeão Nick Gage e começou a defendê-lo de não-oficial em diversas empresas fora dos EUA, o que era algo que Gage não podia fazer em função do seu histórico criminal. Em dezembro, Gage perdeu o cinturão para AJ Gray que não teve tempo para comemorar, pois foi atacado por RSP e pela 440H, sua nova stable, para ser coroado, agora de maneira oficial, o campeão da GCW. Inicialmente formada por RSP, Atticus Cogar e Gregory Iron, a stable dominou a empresa no início de 2020, quando Page conseguiu sua primeira defesa do cinturão, derrotando Nick Gage de maneira definitiva. A rivalidade se estendeu durante a pandemia, com o “time MDK” e o 44OH trocando vitórias, até que o reinado de RSP chegou ao fim no evento RSPring Break em abril de 2021. A 440H se mostraria novamente um problema para Gage quando interferiram na luta entre o campeão e Matt Cardona, atacando o líder da MDK e o custando novamente o cinturão. A última aparição da 440H até o presente momento foi no evento Art of WarGames, onde o time foi derrotado pelo time MDK na primeira War Games match da empresa.
Acompanhar a GCW é relativamente fácil para o fã brasileiro de luta livre. Os shows acontecem em um fuso-horários que não são tão distantes aos nossos, sendo disponibilizados ao vivo pela Fite.tv com comentários em inglês. É uma empresa que tem bastante a oferecer, tanto em quantidade de shows quanto em diversidade de luta livre e pode muito bem servir como porta de entrada para o mundo das “indies”, pois os lutadores que fazem parte do “roster” mais recorrente da empresa também trabalham em diversos outros lugares com suas próprias histórias. Esse é um excelente momento para entrar nesse mundo, principalmente pela recente escolha da WWE de rejeitar esse mundo, dando preferência para atletas que possam ser construídos do zero ao invés de contratar lutadores com experiência na lutinha. Eu tenho a impressão de que o cenário independente, em boa parte, está passando por essa mudança de mentalidade, considerando que essas empresas podem alcançar seu lugar no mainstream e não servirem somente como um degrau para “algo maior em Connecticut”, mas sim como um fim em si mesmo. Essa mudança faz com que a empresa que não deveria ter dado certo, apostando em um ex-presidiário como seu maior babyface, não pare de crescer.
MDK all f’n day.
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