Na noite deste dia 20 de Agosto de 2021 finalmente aconteceu o que milhões de pessoas por todo o mundo esperavam: CM Punk retorna ao pro-wrestling na edição do AEW Rampage. Como alguém que acompanha diariamente a movimentação dos fãs de luta livre, o retorno acontece quando os pedidos de “CM Punk, CM Punk, CM Punk…” já não estavam tão frequentes como outrora. Também, já fazia 7 anos que o Phill Brooks estava fora dos ringues de luta livre, já havia passado pelo UFC em duas lutas, estava trabalhando em vários filmes e com quadrinhos. Um afastamento claro que tornava seu retorno cada vez mais improvável. Mas bastou um simples rumor de um retorno para a AEW para reavivar toda a aclamação que existia sobre o nome dele, ignorando completamente o espaço de 7 anos de Punk fora do mundo da luta livre. E esse retorno vira um marco histórico na timeline da luta livre.
2766 dias. Quando eu vi esse cartaz no show ontem eu me assustei. A simbologia desses cartazes do público nesses momentos é muito forte. O “Foley is God” quando Mankind se torna campeão ou o “If Cena wins, we riot” naquele One Night Stand da ECW são elementos que ficam cravados como o resumo do que está acontecendo. 2766 dias sem CM Punk no mundo da luta livre, mas o homem finalmente resolve voltar. O que é esse retorno? O que representa alguém como CM Punk na AEW nesse momento? O que foram esses 2766 dias?
2766 dias de um apaixonado pela luta livre longe da convivência no mundo que ele amava graças à WWE. É preciso entender o que significa todo o movimento de semanas de celeuma no publico do pro-wrestling por uma simples informação trazida pelo Sean Ross Sapp no Fightful de que CM Punk estava conversando com a AEW para seu retorno. Esse barulho do público na internet e aquelas 14 mil pessoas que compraram todos os ingressos do United Center para lotar um show que estava em sua segunda edição tem uma resposta: CM Punk é o maior draw da luta livre atualmente ao lado de John Cena, e ambos são os maiores desde Steve Austin, que foi o maior desde Hulk Hogan e por ai vai a história da luta livre.
O draw é o lutador capaz de movimentar multidões em torno do seu nome. De botar uma camiseta com seu nome no peito de milhares de pessoas na mesma noite de seu lançamento. De enlouquecer um ginásio inteiro no primeiro acorde de sua música de entrada. De destruir uma empresa concorrente graças a toda a mística envolvida em torno do seu nome. Ontem a noite eu abri meu perfil nas redes sociais e vi gente que passa anos falando apenas de futebol americano, basquete e cinema, sem nunca citar o pro-wrestling, pagando R$9,49 para assistir ao vivo o retorno de CM Punk. Como a WWE então consegue deixar que alguém com esse poder como o que CM Punk carrega ficar 2766 longe dos ringues e ainda ver seu retorno acontecer numa concorrente? O bonde da história está partindo e a WWE está parada no ponto.
Nas ultimas semanas foi noticiado que a WWE está revendo seus conceitos sobre o NXT (que a principio seria uma divisão de desenvolvimento responsável pelos futuros talentos dos shows da empresa, mas que acabou se tornando um terceiro show devido à concentração de talento), com Vince McMahon tomando conta do lugar e impondo duas condições: Sem investimentos em “indie darlings” e em “midgets” (lutadores “anões”, um termo que foi cunhado por Kevin Nash na década de 90 para todos aqueles lutadores com menos de 1,95m e menos de 100kgs) já que o foco da empresa deveria ser big guys criados no estilo deles, o que é engraçado visto que o CM Punk nada mais é que um indie darling que sai da ROH em 2005 no alto de seus 1,88m.
Um outro ponto trágico para essa perda da WWE é o desgosto da empresa pelo personagem de “contra-cultura” de CM Punk, e aqui a culpa cai na conta de Triple H. Desde sua estreia na ROH o CM Punk carrega esse ideal de ser alguém que foge dos padrões do que é “belo e moral” pela sociedade. Questionador, até quando o foco do seu personagem era ser “Straight Edge”, um movimento subcultural do punk que prega a abstinência dos vícios (álcool, drogas, cigarros…) a WWE fez com que isso se tornasse algo que fosse desprezível perante o publico da empresa.
Quando em 2010 em diante o CM Punk resolve mudar o tom das escolhas de palavras de suas promos para algo mais crítico ao wrestling moderno e que encontrava um receptor claro no público que cada vez mais reclamava do produto que lhes era oferecido, CM Punk vira lenda, atinge seu “Summer of Punk” em 2011 e parte para 434 dias como campeão por 2012 e 2013. Mas a WWE parece não entender o que Punk fez naqueles anos e tragicamente desmorona tudo ao repetir o maior ponto de críticas do “Voice of the voiceless”: O desrespeito e a falta de reconhecimento da WWE aos lutadores que dia sim, dia também, colocam seus corpos em risco, se reinventam com novas ideias e quase sempre são escanteados ou chutados da empresa antes mesmo de mostrar do que são capazes (Fast Foward para a demissão de Bray Wyatt há duas semanas atrás ou de Dean Ambrose há alguns anos). Ai a WWE vai e tira o seu título principal de Punk para entregar para The Rock, um part-timer sem ritmo de luta que aparecia no programa 2 vezes no mês. Como não dar razão ao Punk e não escolher o lado dele ao invés do lado da WWE?
O pior de tudo é que todo esse personagem de um Punk contracultural encontra rebote histórico justamente em “Stone Cold” Steve Austin, cujo desenvolvimento de personagem é baseado na revolta do trabalhador ao patrão, do cara que está todos os dias fazendo o dele e é atrapalhado por aqueles que tem poder. Na edição número #01 do podcast Senta que lá vem Story daqui do Wrestlemaníacos nós contamos como Austin conseguiu isso e como esse personagem transformou ele na lenda que ele é, confere lá. O que Steve Austin fez deu tão certo em sua rivalidade com Vince McMahon, foi tão grande para a luta livre da época e foi tão fundamental para a sobrevivência da WWE (Na época, WWF) em um duelo direto com a WCW que é ridículo se pensar que o mesmo Vince teve a chance de repetir tudo isso com CM Punk simplesmente ignorou para privilegiar outro momento da luta livre, o dos OVW Boys: John Cena, Randy Orton, Batista e Brock Lesnar. Vale lembrar que Punk ainda estava no roster da empresa quando a WWE realizou aquela luta de unificação dos títulos mundiais com John Cena e Randy Orton que NINGUÉM AGUENTAVA MAIS ver os dois se enfrentando. Nesse momento inclusive o publico clamava pelo outro grande draw que surgia da empresa na década passada: Daniel Bryan. Que está quase acertado com a AEW. Que coisa, não?
Dito tudo isso, vamos à pergunta do título desse texto: O que é o retorno de CM Punk ao pro-wrestling? É a derrota da WWE em não ser capaz de reconhecer as críticas que o publico fazia sobre seu produto há mais de uma década atrás e que ganhou reconhecimento em CM Punk e o risco que ela sofre em ver a AEW ganhando um trampolim enorme para continuar crescendo. Além disso, é a vitória da AEW que, desde seu surgimento, mostra que tem como uma de suas filosofias o acolhimento de um ambiente mais saudável para desenvolvimento de suas histórias de seus atletas, vide Jon Moxley ou Miro (Rusev) ou o uso das lendas para desenvolvimento de novas estrelas (que é a maneira como elas deveriam ser utilizadas) como Jericho com MJF, Sting com Darby Allin e Jake Roberts com Lance Archer. A quebra desses 2766 dias sem CM Punk graças à AEW e esse seu projeto focado no roster como um todo e não em uma única estrela é a garantia de que um projeto muito mais satisfatório para o publico que ama o produto e para as pessoas que estão subindo do ringue para executar o produto vai nos proporcionar uma excelente alternativa no mundo da luta livre.
Como é bom ser fã de luta livre na noite de 20 de Agosto de 2021.
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